Não! O dia 24 de fevereiro de 2022 provou que não vivemos o fim da história, ao contrário do que preconizava o cientista político e economista americano, Francis Fukuyama. A Rússia, herdeira dos arsenais nucleares da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), ressurgida de vários fracassos econômicos e políticos dos anos 1990, sob o tacão do ex-presidente Boris Yeltsin, há muito deixou claro que se opõe à expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em direção às suas fronteiras.
A Federação Russa, governada desde o ano 2000 pelo ex-tenente-coronel da extinta KGB (atual FSB) Vladimir Putin, observou o que estava acontecendo na vizinha Ucrânia, uma república governada por oligarcas russofóbicos de extrema-direita e aliados de Washington. Mais: Kiev tem como mandatário um comediante, Volodymyr Zelenskyy, cujo principal projeto político para seu empobrecido país é de integrar a OTAN, a exemplo das ex-Repúblicas Soviéticas do Báltico (Estônio, Lituânia e Letônia) e dos ex-signatários do Pacto de Varsóvia (Bulgária, Romênia, Polônia, República Checa e Hungria dentre outros).
A Revolução Ucraniana de 2014, também chamada ‘Revolução Laranja’, teve início em Kiev a partir de violentas manifestações de protesto, conhecidas como Euromaidan, contra o governo do presidente eleito, Viktor Yanukovych, um aliado de Putin e contrário à adesão da Ucrânia na OTAN e na União Europeia.
Os distúrbios, financiado por congressistas americanos e falcões da CIA, rapidamente se intensificaram, levando à deposição de Yanukovytch e à instalação, alguns dias mais tarde, de um governo interino, apoiado por grupos de extrema-direita e de inclinação nazifascistas, seguidores de Stepan Bandera, um colaboracionista dos nazistas quando da invasão das tropas de Hitler na União Soviética, na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O presidente deposto refugiou-se na Rússia. Como punição, Putin ordenou que suas forças militares anexassem a Crimeia, Pensísula no Mar Negro, em que se situa a base naval russa de Sebastopol.
A Rússia começou sua operação militar do dia 24 de fevereiro de 2022, com mísseis balísticos (9K720 Iskander), de cruzeiro (3M-54 Kalibr) e ataques aéreos rápidos e precisos em aeródromos ucranianos, sistemas de radar, locais de abastecimento, nós de comunicação, quartéis-generais militares e outros alvos de importância de combate. Além disso, para-quedistas e forças especiais russas desembarcaram atrás das linhas ucranianas e em cima de objetivos importantes, todos combinados com artilharia e ataques com foguetes.
A Rússia destruiu todos os sistemas de defesa aérea ucranianos, exceto armas móveis disparados pelo ombro. Os militares russos também destruiu todos os drones ucranianos, ou pelo menos os sistemas de comando e controle. O Exército Russo derrubou todo o poder naval ucraniano, diga-se de passagem. O espaço de batalha eletrônico é totalmente controlado por operadores russos. A este respeito, as forças terrestres ucranianas estão cegas e cercadas. Foram superados pelos sistemas russos que são verdadeiramente de última geração.
Mas alguém deve estar se perguntando: essa guerra está demorando. Resposta: é melhor se informar sobre o significado das operações profundas e do combate urbano. Os russos podem até escalar o conflito, mas o Kremlin sabe que, ao fazer isso, haverá um saldo muito elevado de baixas civis.
Válido lembrar que o Exército Russo vem fazendo planos de “como” lutar na Ucrânia há mais de 300 anos. Isso é algo profundo no DNA militar da Rússia. Nas décadas de 1770-80, Catarina, a Grande, expulsou os turcos de grande parte do que hoje é a Ucrânia, e não apreendeu a Crimeia acidentalmente. Mais recentemente, a Ucrânia foi o local de grandes conflitos durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Revolução Bolchevique (1917) e a Guerra Civil Russa e a Segunda Guerra Mundial. Então, no pós-guerra, a Ucrânia era uma pedra angular do estado soviético, repleta de ativos industriais e militares construídos pelos bolcheviques e totalmente coberta pelas doutrinas e planos de defesa de Moscou.
A conclusão aqui é que o Estado-Maior da Rússia é bastante capaz de planejar operações de combate dentro e ao redor da Ucrânia. Não é prudente subestimar os planejadores ou equipamentos russos. Não é sensato incorrer ao erro dos analistas militares do Pentágono — Quartel-General das Forças Armadas Americanas — e da OTAN. Duas gerações de líderes e formuladores de políticas dos Estados Unidos e da Europa esqueceram o sábio conselho do antigo chanceler de ferro da Alemanha, Otto von Bismarck, que certa vez brincou: “O segredo da política? Faça um bom tratado com a Rússia.”
O Pentágono tem uma compreensão vaga acerca da Rússia e do poderio bélico de suas forças armadas. Não obstante, essa ignorância é incorporado em relação à sociedade russa. Os Estados Unidos simplesmente carecem dessas experiências históricas, culturais, doutrinárias e estratégicas em relação à potência euroa-siática. Nenhum militar dos Estados Unidos, de general a soldado, jamais lutou na história moderna em defesa das fronteiras americanas. Os herdeiros do general George Washington, herói militar da independência americana (1776) e primeiro presidente eleito dos Estados Unidos, se especializaram em levar a guerra para longe de casa. Já a Rússia, não.
A Operação Barbarossa, maior operação militar da história humana, levada à cabo pela máquina de guerra nazista de Hitler contra o território soviético, ainda é viva na memória do povo russo que perdeu 25 milhões de seus compatriotas na Segunda Guerra Mundial. As experiências de combate americanas são muito específicas e o registro militar é bastante decepcionante. Vietnam, Iraque e Afeganistão ilustram bem isso.
As Forças Armadas Americanas, na visão do escritor nascido em Baku, capital do Azerbaijão, especialista em questões militares e navais russas, Andrei Martyanov, são tigres de papel projetadas para combater os países fracos e miseráveis do mundo periférico e subdesenvolvido (Iraque, Afeganistão e Líbia). Enquanto isso, a área de operações em que os russos estão lutando na Ucrânia, até a noite de sábado 05/03, é de aproximadamente do tamanho de um terço do território ucraniano, ou seja, 603.000 km2, um pouco menos das dimensões territoriais do Reino Unido ou do Estado de São Paulo.
E as sanções econômicas sobre a Rússia??
A devastação econômica que as sanções dos EUA e da Europa impõem à Rússia, a curto prazo podem causar sérios abalos em suas próprias economias. O valor do petróleo e do gás no mercado internacional continuam a aumentar e isso significa, como todos sabemos, a erradicação das indústrias da União Europeia — 40% do gás usado para gerar a energia que alimenta o monumental parque industrial alemão (maior economia europeia e quarta maior do mundo) vem da Rússia por meio do sistema Nord Stream 1 e 2.
A Rússia é o maior exportador de trigo do mundo. É uma gigante em recursos estratégicos, como metais de terras raras e fertilizantes, dos quais a Rússia e a Bielorrússia representam quase 40% da oferta mundial. A Rússia é uma potência industrial e energética altamente sofisticada, cheia de pessoas bem-educadas. A potência euro-asiática tem tudo, desde vastos campos de petróleo e gás até um programa espacial que passou os últimos doze anos levando astronautas americanos ao espaço — inclusive o primeiro e único astronauta brasileiro, o ministro de Ciência e Tecnologia do governo de Jair Bolsonaro (PL), o tenente-coronel da reserva da Força Aérea Brasileira (FAB), Marcos Pontes.
Fechar os bancos ou negociar com a Rússia? Moscou pode desligar o gás natural para a Europa. Expulsar a Rússia do sistema internacional de compensação de dinheiro SWIFT? Rússia e China têm um sistema alternativo, Plano B, por assim dizer. Ou a Rússia poderia exigir ouro para a venda de materiais vitais como titânio ou urânio. Isolar a Rússia diplomaticamente? A Rússia pode encerrar a permissão de sobrevoo de companhias aéreas ocidentais, essencialmente desligando grande parte do sistema de comércio aéreo internacional.
Em outras palavras estamos testemunhando fim da velha ordem mundial pós-Guerra Fria em que apenas uma potência (Estados Unidos) e seus vassalos ocidentais (Europa Ocidental) davam as cartas na mesa, para um mundo multipolar em que China e Rússia se consolidam como potências indispensáveis no concerto mundial das nações. Entramos em uma era em que uma super-potência do passado (Rússia), desafia a super-potência do presente (Estados Unidos) e consolida uma aliança estratégica com a super-potência do futuro (China).
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