Jogando xadrez com o velho soldado da KGB

 



A virada do ano de 2021 para 2022 correu sob clima de tensão na Europa Oriental. No final de novembro e início de dezembro, a Rússia deslocou unidades militares de elite, além de suprimentos, veículos blindados e várias unidades médicas para suas forças dispostas ao redor das fronteiras com a Ucrânia, de acordo com relatórios oriundos da inteligência americana divulgados pelo canal de notícias CNN e reportado em artigo pelo site “Warzone”.

As relações entre Rússia e Ucrânia se deterioraram desde que, em 2013, quando um governo pró-russo foi destituído do poder em Kiev por opositores apoiados por países ocidentais. Isso fez soar a sirene de alerta em Moscou para algo que o Kremlin julga como inaceitável, ou seja, a perspectiva da Ucrânia integrar a União Europeia e, consequentemente, à Organização do Tratado da Aliança do Atlântico Norte (OTAN). 

Se há algo que o presidente russo Vladimir Putin jamais permitiria é a expansão da aliança militar atlântica para próximo das fronteiras russas. Prevendo isso, o mandatário russo, um ex-oficial da KGB (sigla em russo para Comitê de Segurança do Estado, o serviço secreto da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), cedeu ampla apoio (armas, fardamentos, equipamentos militares pesados, etc.) às milícias separatistas formadas por cidadãos russos residentes no Leste e Sudeste da Ucrânia, e anexou a península da Criméia, em 2014.

A escalada nas tensões entre Rússia e Ucrânia se elevou depois que a inteligência militar russa (G.R.U - serviço de inteligência do Exército Russo) encaminhou relatórios dando conta que as Forças Armadas Ucranianas estariam (e de fato estão) recebendo equipamentos militares de países da OTAN, notadamente mísseis antitanques, radares e drones armados, além de assessoria militar direta dos Estados Unidos, Reino Unidos, Polônia e Turquia. Tal fato levou os estrategistas do Kremlin a desconfiar de uma preparação ucraniana para uma grande ofensiva contra as forças separatistas, apoiadas por Moscou, que controlam desde 2013 as regiões de Donetsk e Luhansk a Leste, e em Donbass, no Sudeste da Ucrânia.


Acima o tanque russo de última geração Armata T-14

Desde então, editoriais dos principais jornais europeus têm sido sistematicamente publicados com o alarmismo de uma possível invasão russa na Ucrânia, o que levaria a Europa a um conflito armado de alta intensidade. No entanto, por enquanto, a guerra permanece no campo das informações e contrainformações. Seja qual for o futuro dessa crise, o fato é que, se os russos avançarem sobre o território ucraniano, Kiev pouco poderá fazer em face da disparidade abissal que existe entre as forças armadas ucranianas e a máquina de guerra russa.

Apesar de operarem praticamente os mesmos modelos de armamentos, maioria herdados dos tempos de União Soviética, os russos têm ampla vantagem de disporem de maior número de aviões, tanques, blindados, helicópteros, mísseis (balísticos, de cruzeiro, antiaéreos), peças de artilharia e tropas ( forças especiais) prontas para entrar em operação a qualquer momento. Análises de agências de notícias ocidentais cravam que se os russos forem adiante na empreitada militar sobre o território da Ucrânia haveriam dois objetivos a serem perseguidos por Moscou.

O primeiro, e mais difícil de alcançar, de acordo com esses informes, seria a tomada da capital Kiev, o que desembocaria em um conflito de alta intensidade, violência e imprevisibilidade. Já o segundo objetivo e, o mais alcançável, seria a ocupação de todo a região Leste da Ucrânia, pavimentando assim a possibilidade de Moscou proclamar a independência dessa zona ocupada em relação ao governo de Kiev pró-ocidente. Se consumado esse plano, provavelmente, os russos nomeariam esse enclave de Ucrânia do Leste. O hipotético país seria uma espécie de tampão e cordão de isolamento entre a fronteira da Rússia com os países filiados à OTAN.

Fator Putin

Vladimir Putin, ex-tenente-coronel da KGB, foi nomeado presidente interino da Federação Russa em 1999 quando Boris Yeltsin renunciou. No ano seguinte, Putin seria eleito para o cargo e, desde então tem governado a Rússia em sucessivos mandatos, ora como primeiro-ministro, ora como presidente.



Seu passado é de devoção total ao Estado Russo, inicialmente sob o manto vermelho da União Soviética e, de 1991 até os dias atuais, sob o pendão tricolor da Federação Russa. Após se formar em Direito pela Universidade de Leningrado (atual São Petersburgo) em 1975, naquele mesmo ano ingressou na KGB. Em 1985 foi destacado para trabalhar no serviço de informações do exterior em Dresden, então República Democrática Alemã (Alemanha Oriental), até 1990.

Governante hábil e astuto, sob seu comando, a Rússia voltou a participar do concerto das grandes potências mundiais. É inegável que, mesmo ostentando um PIB equivalente ao do Brasil, a Rússia é ainda a segunda maior potência militar do mundo e possui o maior arsenal de armas nucleares. No campo da Geopolítica, a Rússia é um agente fundamental e indispensável. Desde que passou a comandar o maior país em dimensões territoriais do mundo, o “czar de aço” decide direta e indiretamente o destino de praticamente meio globo terrestre. De seu gabinete instalado em um bunker, no Kremlin, está sempre contrariando poderosos interesses internos e (principalmente) externos.

Sob o tacão de Putin, a Rússia passou e “venceu” várias crises internas e externas, como a repressão ao separatismo e radicalismo islâmico nas Repúblicas Russas da Chechênia e Daguestão, a Guerra Russo-Georgiana em 2008, a anexação da Criméia (2014) e, ainda em curso, a manutenção no poder em Damasco do ditador pró-Rússia, Bashar Al-Assad, desde que eclodiu a Guerra Civil Síria em março de 2011.

Seja qual for o juízo que se faça do mandatário autocrático russo, uma coisa é inegável: Segundo o cientista político e historiador brasileiro Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, em sua obra “A desordem mundial – o espectro da total dominação”, Vladimir Putin é “o maior estadista do século XXI”. Seja para o bem ou para o mal, há dezenas de países e estados falidos que rogam por um governante com as mesmas capacidades de liderança de Putin.  

Querendo ou não, o mundo ainda permanecerá tendo o velho soldado da KGB como o fiel da balança no xadrez da Geopolítica mundial.


REFERÊNCIAS

STONE, O. As entrevistas de Putin. Tradução Carlos Szlak. Rio de Janeiro: Best Seller, 2017.

MARSHALL, Tim. Prisioneiros da Geografia: 10 mapas que explicam tudo o que você precisa saber sobre política global. Tradução Maria Luiza de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

< https://www.thedrive.com/the-war-zone/43603/face-off-over-donbas-how-russian-and-ukrainian-air-forces-stack-up >

< https://www.thedrive.com/the-war-zone/43371/russia-bolsters-supply-lines-deploys-medical-units-near-ukraine-as-invasion-fears-grow-report > 

< http://www.opex360.com/2021/12/23/les-forces-russes-donnent-le-coup-denvoi-a-un-nouvel-exercice-aeroporte-pres-de-lukraine/ >




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